Rir para não morrer https://rirparanaomorrer.blogfolha.uol.com.br Saúde mental com humor Mon, 28 Jan 2019 19:10:39 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Sua depressão te ama https://rirparanaomorrer.blogfolha.uol.com.br/2018/12/06/sua-depressao-te-ama/ https://rirparanaomorrer.blogfolha.uol.com.br/2018/12/06/sua-depressao-te-ama/#respond Thu, 06 Dec 2018 18:12:22 +0000 http://rirparanaomorrer.blogfolha.uol.com.br/files/2018/12/hands-heart-love-582048-150x150.jpg https://rirparanaomorrer.blogfolha.uol.com.br/?p=237 Como todo bom deprimido, muitas vezes eu me sinto desconfortável perto de pessoas. Infelizmente, quase a totalidade da humanidade é feita de pessoas.

Nos momentos mais difíceis, sempre tive mais dificuldade em estar no mesmo lugar que uma pessoa em especial: a mesma pessoa que digita essas palavras (sou eu mesmo que estou digitando, não tenho dinheiro para secretária ou taquígrafo).

Aí é que está. Você se odeia porque não está falando a mesma língua que você mesmo, parece um daqueles diálogos neuróticos do Woody Allen. Tem uma coisa dentro de você que te ama mais do que você poderia imaginar. Ela quer preservar sua integridade física e psicológica, e também que você seja uma pessoa melhor, que se exercita, come melhor, deixa de pedir para as pessoas te seguirem de volta no Instagram…

O que ela mais quer que você faça é ter ligações de qualidade com a família, amigos, colegas de trabalho, desconhecidos, bolsonaristas… Quando você deixa de tentar fazer o trabalho para tê-las, e se perde com substitutos como o consumismo, drogas lícitas e ilícitas, comportamentos arriscados, compulsão por dinheiro e carreira, essa parte de você que você desconhece chega para por ordem na casa.

Pelo menos é assim que funciona para mim. Eu intuía essas coisas, mas a descoberta do trabalho do psicoterapeuta canadense Gabor Maté foi um daqueles momentos em que você se senta no meio fio e começa a chorar de alegria e de “por que não fiquei sabendo disso antes?”

Bom, não dava para saber muito antes porque é muito nova essa linha da psicologia que une os avanços dos estudos neurológicos, teorias sobre o efeito dos traumas no equilíbrio dos neurotransmissores e o efeito do ambiente na ativação de caminhos neurais.

A depressão talvez não seja nem uma doença, mas um sintoma de traumas cuja existência a psiquê não suporta. Quando você esconde muito lixo dentro de um armário, um dia a porta arrebenta. Há uma hipótese de que a depressão seja uma forma do organismo se fechar para melhor cuidar de ataques internos como viroses ou gripes. A depressão quer o seu melhor.

Em um certo nível, até a intenção de se suicidar é seu cérebro querendo o melhor para você: diante da dor desconhecida que parece não ter solução, acabar com tudo parece ser única opção. Esses mecanismos de autoproteção querem o seu bem, mas ninguém disse que eles são inteligentes. Eles são tão inteligentes como um cachorro ou um camaleão. Literalmente.

A depressão e a ansiedade, de acordo com as hipóteses mais novas, estão ligadas a partes do nosso cérebro que dividimos com mamíferos e répteis. O cérebro reptiliano, mais antigo, controla nosso instinto de lutar ou correr. Como não tem a complexidade do lobo frontal, não tem noção de tempo e carrega traumas antigos para sempre, ou pelo menos até você começar a fazer algum trabalho para apaziguar essas emoções primitivas. O cérebro mamífero é um pouco mais avançado e é responsável por nossa fissura por formar grupos, buscar proteção nos outros, querer influenciar, buscar afeto, proteger o que é nosso. Tudo isso a grosso modo, gente. O quadro todo é mais complexo e fascinante do que um amador meio deprimido poderia explicar numa quinta-feira um pouco melancólica.

O caminho para ouvir essas estruturas que têm a chave da farmácia interna que libera as substâncias que nos fazem sentir bem ou um lixo é um mistério pessoal e intransferível. Mas sempre há ajuda.

Você está deprimido porque algo dentro de você está certo, é precioso e entende melhor um ambiente disfuncional do que as outras pessoas. Algo que tem mais sensibilidade para captar injustiças (com você e com os outros) e quer que você realize seu potencial.

O problema é o caminho para se livrar do lixo. Vai tirando um pouquinho de cada vez. O importante é fazer alguma coisa todo dia. Dê um abraço em alguém, sinta a beleza desse ato natural e digno.

Também não deixe de se informar. Comece vendo esta palestra de Gabor Maté traduzida para o português. Há também este TED Talk de 2012 com legendas em nossa língua.

Como toda coisa teoricamente simples (levar um ser humano a Marte, viver em paz dentro de casa), ouvir o que sua depressão tem a dizer e conseguir colocar isso em prática também exige planejamento, paciência, coragem e persistência.

E um pouquinho de senso de humor, né, seu imprestável!

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Como é bom ser deprimido! https://rirparanaomorrer.blogfolha.uol.com.br/2018/08/15/como-e-bom-ser-deprimido/ https://rirparanaomorrer.blogfolha.uol.com.br/2018/08/15/como-e-bom-ser-deprimido/#respond Wed, 15 Aug 2018 22:06:30 +0000 http://rirparanaomorrer.blogfolha.uol.com.br/files/2018/08/IMG_20180815_190354-150x150.jpg https://rirparanaomorrer.blogfolha.uol.com.br/?p=148 Ultimamente, tenho vivido uma situação delicada. Faz mais ou menos uns 35 anos. Tenho até um documento para me lembrar de como tudo começou. No cabeçalho está lá: “Certidão de Nascimento de Marcelo etc”.

Tenho a maior simpatia pelo adolescente que grita “eu não pedi para nascer”. Não só porque o adolescente finalmente levanta a cabeça do celular para poder dizer isso, o que é ótimo, mas porque é uma afirmação filosófica cuja validade é incontestável.

Quem tem transtornos mentais como a depressão clínica, minha amiga e confidente de todo dia, aprende a lidar melhor com isso. Se você descontar o ódio contra si próprio, ser deprimido é uma vantagem competitiva. Ultimamente, tenho visto como empresas têm precisado mais e mais de alguém qualificado para o cargo de “gerente de VDM”. Na linguagem corporativa mais atual, está sigla quer dizer “Vai Dar Merda”. Como nossos escritórios são carentes desse profissional. A boa notícia é que a mão de obra está aí nos 10,5 milhões de brasileiros deprimidos (de acordo com dados da Organização Mundial de Saúde).

No cenário atual, ser desconfiado de tudo a ponto de ser disfuncional é bom demais.

Vou fazer uma analogia que talvez ajude o leitor mais cheio de neurotransmissores da felicidade como a serotonina a entender.

Todos os dias, sinto que sou a manifestação física da história do sujeito para quem a mãe diz “vai com Deus” antes de uma viagem de carro. Ele responde: “só se Ele for no porta-malas”. Aí o infeliz se envolve num acidente e tudo se quebra, carro, pneus, ossos, membranas, menos uma caixa de ovos que o profano carregava no porta-malas. Eu sou esse sujeito que, justo na vez dele de fazer a piada, irrita o Misericordioso a ponto de fazê-Lo ter um flashback de suas atitudes do Velho Testamento.

Peço perdão ao leitor que ainda está aqui pelo desvio anedótico e teológico. Quis uma analogia que explicasse a certeza do deprimido de que a punição será braba quando ele resolve ser o engraçadinho da turma.

Eu me pergunto: é tudo ilusão ou existe embasamento para este boato que minha mente vem espalhando por aí de que eu sou a pior pessoa do mundo?

Talvez uma coisa no meio do caminho. Vou aproveitar que você não parou de ler e vou mandar mais uma.

Ser deprimido e ansioso é bom demais. É como viajar para um país diferente sem sair de casa. Basta sair do quarto e ir na sala para viver um choque cultural completo. Você vê alguém da sua família todo otimista, fazendo planos e pensa: “Como é curiosa essa gente!”. Sai de casa, vai trabalhar num andar alto e vê outro no parapeito a apreciar o voo das aves sem pensar em pular e quer saber que língua fala essa criatura tão diferente.

Quero morar neste país exótico!, penso. Mas me lembro que ainda não estou preparado para a vida lá. É um povo que não entende as delicadezas da vida neste meu país subdesenvolvido. Aqui, eu ainda comemoro cada rito de iniciação na vida adulta. Como foi outro dia quando me dei pela falta de um tupperware dias depois de um almoço de família na minha casa. Foi uma alegria… Finalmente, fui incluído no grupo das pessoas que têm a superioridade moral para cobrar a devolução de um pote de comida levada de sua casa. Sempre estive no outro grupo. Quando me dei conta, fiquei emocionado e tive que me escorar no espaldar da porta, zonzo de tanto orgulho.

Tudo isto para voltar ao ponto inicial: neste mundo em que a autoestima é afogada num mar de realidade injusta, procure um profissional. Converse com um deprimido.

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Meu e-mail é marcelinho@gmail.com

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Em defesa do direito de ser um idiota (às vezes) https://rirparanaomorrer.blogfolha.uol.com.br/2018/07/13/em-defesa-de-ser-um-idiota-as-vezes/ https://rirparanaomorrer.blogfolha.uol.com.br/2018/07/13/em-defesa-de-ser-um-idiota-as-vezes/#respond Fri, 13 Jul 2018 19:45:44 +0000 http://rirparanaomorrer.blogfolha.uol.com.br/files/2018/07/destaque-150x150.jpg http://rirparanaomorrer.blogfolha.uol.com.br/?p=97 A batalha pelas pequenas vitórias morais do dia a dia evoluiu muito rápido. Quando eu era criança, alguém olhava feio porque o papel do chiclete caiu no chão antes que você pudesse pensar em recolhê-lo para o lixo. Voltava-se para casa pensando que, por alguns segundos, aquela senhora de meia idade achou que você era um porco.

Hoje, a velocidade das interações nas redes sociais não dá a cortesia de segundos para que você se arrependa. Acho que há aí até um desses milagres metafísicos que permitem que a reprovação venha frações de segundo antes de você apertar o botão de enviar. E não tem jeito de consertar. O linchamento, assim como o seu choro, é livre.

A normalização do escracho, lacração, denúncia histriônica em massa, etc é um fenômeno novo e perigoso. Não para os alvos, porque na maioria das vezes eles merecem. Eu sou da opinião de que o mundo está uma merda e que quanto mais gente prestando atenção em atitudes opressoras, melhor. O que me preocupa é de onde vem, no acusador, a pulsão por acusar.

Ter certeza é, com o perdão da expressão, uma grande merda. A única certeza que eu tenho na vida é que eu tenho uma quantidade de defeitos difícil de administrar. Isso porque ainda não terminei de colocar em prática as medidas para sanar esses defeitos. Depois que terminar, terei ainda mais defeitos.

Eu gostaria de falar para as pessoas que fazem coisas maravilhosas com as próprias vidas como parar de comer carne, trocar o automóvel pela bicicleta, boicotar os produtos das multinacionais que exploram sua mão de obra, meditar todos os dias, resgatar pets em vez de comprá-los de canis, fazer sua própria cerveja, etc.

Por mais que você tenha acumulado milhas nesse grande projeto para ser uma pessoa melhor, eu dou minha pequena opinião: você não chegou lá. Suspeito que nunca chegará. Meu conselho seria que você criasse um espaço na própria rotina para exercitar sua imbecilidade. Seja mais idiota, mais babaca, mais estúpido e insensível!

Você nunca vai estar fora da zona de perigo de ser um idiota eventual. Não seja tao radical consigo próprio. Eu garanto que você é capaz de ser um imbecil dadas as corretas circunstancias. Todos nós podemos!

Se estiver sentido dificuldades em achar uma ocasião para ser preconceituoso, por exemplo, experimente ler muito sobre culturas que você ainda ignora. Você tem todo o potencial de ser babaca de novo um dia. O importante é não desistir. Um dia, numa festa, você vai fazer um comentário distraído que vai ofender profundamente alguém que você não conhece. Será uma experiência terapêutica poderosa. Você será tomado por um sentimento de orgulho e realização pessoal. Alguns diriam que é a humanidade voltando ao seu corpo.

Para terminar, já que estão chegando as eleições, experimente não tentar dissuadir o próximo de acreditar na ideologia política que ele proclama como se você fosse um pastor tentando tirar o capeta de alguém com um taco de beisebol.

Nem seja fiel às pessoas que dizem defender a sua ideologia política. Assim você está se privando do direito sagrado de ser decepcionado pelos políticos. Não faça isso com você mesmo.

Era isso que eu queria dizer. A certeza é a droga de entrada para outras mais pesadas como achar que você é um ser humano melhor do que quem deixa comentários com os quais discorda em redes sociais. Eu, por exemplo, já não estou mais muito certo se foi uma boa começar a crônica com este assunto e acho que as ideias já estão me faltando. Por isso, termino por aqui.

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