Até mais, mundo cruel
Olá, Brasil de novembro de 2018. Não quero mais saber o que acontece com você. Vou ficar no meu cantinho lendo meus livros. Não adianta mandar notificações no meu celular. Quero um tempo. Não sou eu, é você.
Parei, mesmo. Eu não sei quem é o ministro da Justiça de Jair Bolsonaro. Aproveitei o fim da eleição para fazer uma dieta de notícias, uma vez que desde o impeachment deitei e rolei no minuto a minuto dessa insanidade grossa, espessa que fabricamos.
Se soubesse quem é o ministro, talvez acabasse irritado – vai que o magistrado escolhido seja, sei lá, um juiz que prendeu o maior opositor de Bolsonaro, que vazou grampo ilegal de uma presidente, que liberou a dias da eleição uma delação que prejudicava o adversário de Bolsonaro. Sei que minha imaginação é fértil e que uma indicação dessas seria um absurdo internacional, algo inconcebível. Mas reza o bom senso que no Brasil tudo pode acontecer. Vai que.
Acho que o ciclo de polêmicas que funciona 24 horas (não estou falando de jornalismo de verdade, mas da pauta apocalíptica das redes) é uma droga como qualquer outra. Fazer o uso recreativo é difícil quando tal droga é o potente coquetel de insanidades, agressões e mentiras oferecido pela “nova política” eleita em outubro. Um teco e você já está acorrentado ao hábito, do jeitinho que o traficante quer. Não consegue trabalhar direito, briga com a família, passa o dia na Cracolândia das redes sociais consumindo chamadas caça-clique.
Quem fabrica esse entorpecente sabe exatamente o que está fazendo. No meio da confusão, você está distraído com, sei lá, uma prancha de bodyboard e se esquece do veto a veículos de comunicação numa coletiva de imprensa. (Novamente, esse é um exemplo surrealista que me ocorreu. Duvido que algo assim possa acontecer.) Criar distrações é tática de trombadinha. Já me despedi de dois celulares em shows dessa mesma forma: um meliante esbarrava em mim para criar uma distração enquanto outro esvaziava meu bolso.
Você pode achar graça na forma como expliquei minha intenção de fazer uma reabilitação na forma como consumo notícias nas redes sociais, mas há ciência por trás disso. A indústria da polêmica não é um comportamento espontâneo do ser humano, mas algo que foi projetado pelos engenheiros e psicólogos do Vale do Silício. Tristan Harris, ex-designer de produtos do Google, dedica todo seu tempo a denunciar a má fé de seus ex-colegas. Segundo ele, o objetivo sempre foi acessar áreas primitivas de nossa mente usando gatilhos para liberar neurotransmissores ligados ao mesmo sistema de recompensa das drogas mais pesadas. Quando seu coração para de bater por alguns momentos enquanto a timeline do Twitter carrega, não é porque sua conexão está lenta. O atraso de segundos, segundo ele, segue o princípio das máquinas de caça-níqueis. Está ali porque alguém o programou.
A discussão é urgente e está sendo travada nos Estados Unidos há algum tempo. Além dos efeitos na saúde mental, é consenso que as redes sociais não fizeram bem algum ao jornalismo. Milhares de jovens colegas capazes de grandes reportagens acabaram na batalha inglória no front das manchetes polêmicas baseadas na polêmica do dia. Quando os novos ocupantes de Brasília são orgulhosos produtores desse lixo, é sinal de que precisaremos quebrar o hábito.
Vou voltar a consumir notícia diariamente quando sentir que a mente menos propensa em morder a isca da controvérsia superficial. Por enquanto, sou aquele sujeito que chega na churrascaria apavorado de fome, se entope de pão de alho e linguiça enquanto a picanha fica escondida.
A coisa passa a valer de verdade só em primeiro de janeiro. Até lá, aproveito a retórica de nosso novo establishment e termino com o Velho Testamento. Eclesiastes 1º, versículo 18: “Afinal, quanto maior o saber, maior o sofrimento; e quanto maior o entendimento maior o desgosto”.
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Críticas e sugestões: marcelinho@gmail.com