Os pontos positivos da vitória de Bolsonaro
“Eu estou muito cansado” e “o Brasil está doente”. Teve um cavalheiro que disse essas duas frases em um metrô de Paris outro dia, mas o episódio não passou de um caso flagrante de plágio. O verdadeiro autor das frases sou eu. Isso já era dito por mim muito antes de virar modinha.
Estou como está todo mundo nesta reta final de eleição. O candidato que surfou a onda de ansiedade e medo que ele e os donos deste país ajudaram a criar quadruplicou a aposta no autoritarismo e parece que teremos sorte se sobrarem uns pedacinhos da Constituição depois que ele a rasgar, relíquias que traremos com carinho, símbolos de um tempo místico em que os brasileiros não sonhavam em se matar uns aos outros.
Não sei quem disse, mas tem uma frase que me incomoda há bastante tempo: “Não é possível rir e sentir medo ao mesmo tempo”. Incomoda porque não sei se é verdade: nunca me lembro de verificar na hora se todo medo desaparece durante uma boa gargalhada. Mas não custa tentar e rir agora com os dentes que ainda não foram quebrados pela repressão.
Não custa também lembrar um exemplo: diz a História que São Lourenço foi morto por uma piada. Quando o imperador Décio pediu que o santo lhe trouxesse o “tesouro da Igreja”, Lourenço não titubeou: saiu pela cidade catando os doentes e pobres que encontrava. “Aqui está o tesouro da Igreja”, disse. Décio não gostou da pegadinha e ordenou que São Lourenço fosse morto numa grelha. Reza a lenda que o mártir, antes de sucumbir, disse algo como “acho que este lado já está bom, podem me virar”. (A história está no manual de redação humorística do gênio Ricardo Araújo Pereira).
Inspirado por São Lourenço, gostaria de fazer aqui um exercício de rir na cara do perigo. Será que veremos alguma coisa de boa no governo de Bolsonaro e no clima que vai se instalar? Acho que sim.
Vamos começar com os mais jovens:
A garota ou o garoto insatisfeito com os vencimentos em seu primeiro emprego pode seguir o exemplo produzido por nosso mandatário em 1986 quando ameaçou colocar bombas em quartéis porque “o salário está baixo”. O pessoal fica se dando o trabalho de organizar sindicato, ir para a rua, cobrar direitos… Tudo errado. Se com um punhado de dinamite você chantageia o Estado Maior do Exército, não vai conseguir um aumentinho no telemarketing em que trabalha? Se todas as categorias aderirem à estratégia do jovem ativista Bolsonaro, a venda de explosivos pode aquecer a indústria nacional e ajudar no PIB.
Sobre a proposta do capitão de militarizar o ensino, pense na vantagem competitiva que nossos jovens terão sobre os estrangeiros nesses joguinhos online de tiro. Isso faz um bem tremendo para a autoestima do jovem. E quanto à formação intelectual dos alunos, o próprio Bolsonaro mostrou como ela é eficiente ao prestar apoio na Câmara aos 84 alunos (de 158) do Colégio Militar de Porto Alegre que em 1995 citaram Adolf Hitler como figura histórica que mais admiravam. Se isso não é sinal da eficiência das Forças Armadas em formar cidadãos ao seu gosto, não sei o que poderia ser.
Sobre o risco às instituições: se aquele filho do Bolsonaro que é calvo (não consigo guardar o nome de nenhum deles) mandar um cabo e um soldado para passar a tranca no STF, há também um lado positivo. Vamos abrir espaço em nossas cabeça para lembrar o nome de 11 pessoas.
Eu me lembro que durante a Copa alguém estava maravilhado com o fato de que mais brasileiros sabiam recitar a escalação do STF do que a do time do Felipão (era Felipão? Ou Zagallo? Já se passaram tantos anos desde julho de 2018 que não me lembro). Podendo esquecer quem é Gilmar Mendes e Cármen Lúcia, você terá lugar para a escalação do seu time favorito, para aquelas pobres pessoas que sempre te chamam pelo nome mas você não sabe quem são etc.
Por outro lado, o candidato erra feio ao falar em colocar mais dez ministros amigos no Supremo para desequilibrar as decisões em seu favor. O brasileiro não é bobo e já sabe como são exóticos os nomes dos magistrados que avançam na carreira. A nação não suportaria ter que decorar mais dez nomes desses. Aí não tem lado positivo.
Teve também aquela proposta de esterilizar pobres para evitar “o caos”. Veja bem. O cidadão que está satisfeito com o tamanho de prole e não consegue vasectomia pelo SUS só precisa dizer que passa fome (se passar de verdade, fica mais convincente) e Bolsonaro “fecha a fábrica” para ele. Não se pode dizer que é um governo sem função social.
Dando sequência: a ciência e o capitão da reserva costumam não se dar muito bem. Ele já disse que o aquecimento global é balela e liderou projeto para liberar a tal “pílula do câncer”; o general que ele quer meter na Educação insinuou que não se pode ensinar a evolução das espécies de Darwin sem ensinar também o Criacionismo. É.
Vejamos o lado bom: nessa toada, com 3/5 do Congresso ele consegue revogar já a Lei da Gravidade. Imagina a fila de turistas que viriam para o Brasil curtir a gravidade zero sem ter que pagar milhões de dólares numa viagem de foguete? Sem contar que vai todo mundo perder 100% do peso de uma hora para outra. Só consigo ver vantagens em revogar essas leis dessa ciência tendenciosa que diz que eu passei dos 100 quilos.
Bolsonaro também disse que vai banir do país ou prender opositores “bandidos”. Veja só: quem nunca sonhou com um mochilão na Europa, na América Latina, não é mesmo? Parece que quem é expulso pelo regime vai para lugares bacanas, aprende francês, espanhol, faz música, na volta tem várias pessoas esperando no aeroporto entre choro e abraços.
Acho que está de bom tamanho, não? Se você acha que a História vai provar que fui otimista demais neste artigo: quanta presunção sua. Segundo a ONU, a humanidade tem 12 anos para diminuir as emissões de carbono antes que os estragos sejam irreversíveis. Quem disse que vai ter futuro?
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