Por que esta eleição está acabando com nossa saúde mental, segundo psicólogos e psiquiatras
Quando reparei que não respirava há quase um minuto, percebi que a coisa estava ficando feia para mim. Isso foi há uns dez dias. Estava na cama, já passava das duas da manhã e rolava a timeline do Twitter no automático, na expectativa de a) me deparar com alguma notícia bombástica sobre a eleição, b) ler algum um comentário brilhante sobre o buraco em que nos metemos ou c) ver gifs de cachorros simpáticos. O que encontrei, no entanto, foram especulações insignificantes sobre a campanha, manifestações de pavor disfarçadas de ironia e dezenas de vídeos fofos de gatos.
Acompanhar esta eleição feita de notícias, declarações e manchetes traumatizantes estava acabando comigo. Decidi, então, entrar numa dieta rigorosa de informações. Há uma semana, atravesso a rua para não passar na frente de uma banca de revista, tapo os ouvidos e canto “lalalá” se uma TV estiver ligada no Jornal Nacional e saí de todos os grupos de Whatsapp e redes sociais relacionados ao noticiário. Só soube do problema na bexiga do Ciro Gomes (ele sentiu um desconforto na região e passou por um procedimento médico), por exemplo, na fila da padaria, que acredito ser a forma como Deus quis que soubéssemos desse tipo de coisa.
Nos últimos tempos, tenho prestado mais atenção em onde nasce a ansiedade no meu corpo. Começa nos dedos dos pés e logo chega aos ombros, que acabam empenados; a língua fica dura e empurra a arcada inferior como se quisesse dobrá-la; uma espécie de dormência nas narinas indica que não estou mais respirando.
Conversando com amigos, descobri que não sou a única pessoa que deu defeito na reta final desta eleição. Durante meu detox de jornal brasileiro, resolvi investigar se algo parecido havia acontecido na eleição dos Estados Unidos de 2016. Uma busca rápida mostrou que a saúde mental da população local saiu muito prejudicada daquele pleito. A Associação Psicólogica Americana divulgou uma pesquisa mostrando que, um mês antes da eleição de Donald Trump, 57% das pessoas estavam estressadas por causa da campanha e 66% citaram o futuro da nação como motivo para o incômodo. Os números de 2017, primeiro ano da guerra civil trumpiana, ainda não saíram.
A imprensa de lá perguntou aos profissionais de saúde mental o que eles estavam ouvindo nos consultórios. “As pessoas citam preocupações com o aquecimento global para começar a terapia”, disse a psicóloga Mary Fisher ao blog LifeHack. Segundo ela, inicialmente as pessoas se queixavam apenas de ansiedade. Mas, com o tempo, os sintomas se transformaram numa mistura de “fatalismo e depressão”. O colunista do Washington Post Dana Milbank disse que desenvolveu pressão alta por conta do ciclo eleitoral e foi inundado por mensagens de leitores que contavam estar na mesma situação. A lista de sintomas: distúrbios do sono, dor no pescoço, depressão, zunido no ouvido, perda de cabelo, aperto no peito, úlcera estomacal, indigestão, irritabilidade, refluxo.
Fiquei satisfeito com o que encontrei no exemplo americano para explicar minha ansiedade eleitoral. Mas, como não sou especialista em absolutamente nada neste mundo, resolvi perguntar a alguns dos maiores estudiosos brasileiros em ansiedade e estresse se eleitores em crise haviam batido em suas portas. Aproveitei para saber o que fazer para aliviar o sofrimento nesta reta final. Também conversei com alguns brasileiros que, como eu, não conseguem mais encarar o que quer que esteja acontecendo com o país neste momento.
A psiquiatra e psicóloga gaúcha Ana Maria Rossi é presidente da International Stress Management Association do Brasil, referência no estudo de estresse e ansiedade. “Essa profusão de pesquisas está afetando muito as pessoas. Meus próprios clientes não estão mais tolerando saber o que está acontecendo”, afirma. Além do excesso de informações, Ana Maria cita a rivalidade exagerada como motivo de preocupação. “Vejo um ódio, uma agressividade muito grandes. Sempre teve baixaria em campanha no Brasil, mas me parece que dessa vez a animosidade é maior. Somos nós contra eles, ou eles contra nós.”
A psicóloga Mariângela Savóia, pesquisadora do Ambulatório de Ansiedade do Hospital das Clínicas, diz que nunca viu seus pacientes tão preocupados com o quadro político como agora. “O que eu vejo mais é a ansiedade, uma grande preocupação antecipada, uma avaliação negativa do que vai acontecer”, afirma a psicóloga. “Quem tem dinheiro diz que vai sair do país, e isso independe da orientação ideológica.”
“Como individuo, você fica sem possibilidade de prospectar o seu futuro, algo que é necessário para a boa saúde mental”, diz Rafaela Teixeira Zorzanelli (sem parentesco direto comigo), psicóloga e professora do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Ela atualmente faz pesquisa sobre o abuso de tranquilizantes no Brasil em uma universidade holandesa, mas também está viciada em acompanhar o pleito de 2018. “Colegas têm dito que seus pacientes sentem que não têm qualquer controle sobre o futuro. Em todas as classes sociais, de consultórios do SUS até clínicas particulares que cobram caro.”
O psiquiatra Felipe Dias trabalha na rede pública do Rio de Janeiro. Segundo ele, a gravidade das queixas dos menos favorecidos o surpreendeu. “Essa grande polarização coloca os mais pobres num lugar muito mais de fim de mundo, de desespero completo. Isso tem causado o aumento no uso de tranquilizantes e piora certos quadros deprimidos”, afirma Felipe, que atende comunidades carentes em Niterói e na capital. “É uma sensação de iminência da falta dos serviços básicos dependendo de qual candidato ganhar. Vejo um voto desesperado ligado ao medo.”
Mecânico na pequena Miracatu, no interior de São Paulo, Milton Junior de Souza, de 29 anos, está desempregado há dois anos. Quem sustenta a casa é a mulher, cabeleireira, e um eventual bico que ele próprio consegue. Milton vai votar em Jair Bolsonaro. “Tudo o que está acontecendo nesta campanha política está nos deixando mais ansiosos e estressados”, diz o mecânico, que quer tentar a vida no Japão caso seu candidato perca. “Ficamos estressados pelo que a mídia faz contra o nosso candidato e porque não há clareza na campanha. “
O psiquiatra e professor de medicina social da UERJ Benilton Bezerra Jr. afirma não ter visto um abalo tão grande na saúde mental de seus pacientes em muito tempo. “Converso muito com as pessoas na rua e vejo o tamanho da confusão delas. Eu vejo gente que está dividida entre Jair Bolsonaro e Marina Silva, entre Bolsonaro e Ciro Gomes. Alguém que está com esta dúvida é porque realmente não está entendendo nada do jogo que está sendo jogado. E isso é muita gente”, disse.
“Quando estou olhando as redes sociais sinto crescer a ansiedade e uma angústia enormes”, diz um empresário de Vitória (ES), que prefere não se identificar. Simpatizante da direita, ele ainda não sabe quem escolher. “Eu já sou ansioso e essa eleição só piorou a situação. Mas acho que o pessoal progressista está sofrendo da mesma forma.” O empresário declara que não votaria no PT, nem em Bolsonaro. “Fica então aquela pressão. Mas eu não quero votar de jeito nenhum nele (Bolsonaro). Ah, mas tem que votar porque se não o PT volta. Aí eu penso ‘poxa, mas eu vou ser o responsável pela volta do PT?’ Isso te afeta.”
Segundo Ana Maria Rossi, está aí a característica desta eleição que mais tem feito mal às pessoas. “Vejo entre meus clientes muitos comentando que têm de votar em alguém com chance de derrotar ‘o outro lado’, em vez de votar naquela pessoa em que ela gostaria.” A psiquiatra continua: “Observo um aumento de pessoas com problemas de sono. Também cresceram as reclamações de dores musculares. As pessoas com os músculos mais tensos têm mais dores de cabeça, dor no pescoço, nos ombros, nas costas, pernas inquietas.”
A professora de sociologia Juliana Dourado trabalha numa universidade pública na Bahia e têm tido insônia, pesadelos e dificuldade de concentração. Ela diz que vota na esquerda e demonstra muita preocupação com uma possível vitória de Bolsonaro. “A gente estuda, passa anos debatendo, lendo, escrevendo, chega lá e abre a rede social e vê um monte de notícia falsa, montagens muito mal feitas… parece que tudo o que eu fiz foi em vão”, diz. “Eu tenho muito medo, trabalho numa faculdade nova, criada pelo governo de esquerda. Tenho receio de que o campus possa ser fechado no ano que vem. Isso gera uma instabilidade emocional muito grande, não consigo planejar nada para os próximos meses” afirma. Os sintomas que estão aparecendo são de isolamento, abulia, que é a falta de vontade de fazer as coisas, diz a psicóloga Rafaela. “Em vez de se confrontar, o indivíduo se retira, porque está batendo no limiar de sua tolerância para o sofrimento.”
Um outro traço muito moderno desta eleição são as discussões com pessoas queridas que têm posições contrárias.
“Debater com alguém, especialmente alguém com quem se tem laços afetivos, para tentar mudar um voto, tem um custo emocional muito grande”, diz Rafaela. “Muitas pessoas estão fazendo isso porque acreditam que a vida delas depende disso, então vão para a briga porque acreditam estar lutando pela sobrevivência. Algumas suportam melhor o embate com o outro, outras saem mais machucadas.”
O professor Benilton dá uma pequena aula sobre nossa incapacidade de exercer o debate civilizado: “Um traço muito brasileiro, que é diferente de outros países, o Brasil tem uma tradição cultural de aversão ao conflito explícito. Tudo é levado para o pessoal. Não somos educados para admitir e cultivar o conflito, o contraditório, a discussão. Nenhum amigo, em público, discorda de um amigo. Isso mesmo no mundo acadêmico, o que é lamentável.”
O resultado mais preocupante de tanta carga emocional negativa pode ser o agravamento de diagnósticos já complicados. “O nível de ansiedade tem feito com que alguns pacientes aumentem a dosagem dos remédios”, diz Ana Maria. “As pessoas também podem se valer mais do álcool para se anestesiar e mudar o foco, como uma forma de não vivenciar isso com muita intensidade.
O que fazer, então, para tentar salvar o pouquinho que nos resta de sanidade? A especialista em estresse Ana Maria e seus colegas têm uma listinha de sugestões:
“Limitar a exposição à mídia. O que eu preciso saber, o que é o bastante para que eu me sinta capacitado para votar? Ter disciplina, porque a curiosidade acaba sendo uma isca para manter a pessoa extrapolando seu limite por períodos muito longos.”
“Limitar essa necessidade que muitas pessoas têm de divulgar notícias bombásticas, esse instinto de espalhar tudo para os outros acharem que sou super bem informado.”
“Não conversar com pessoas que você sabe que são radicais. Se você sabe que o seu amigo, parente, colega de trabalho é radical, invente uma desculpa. Diga que está atrasado, que não pode falar agora, e fuja.”
“Vote por convicção, não para derrotar um outro candidato. Seja dono da sua própria ideologia. Concentre a energia e a atenção em eleger o candidato que acha que melhor vai resolver a situação do país.”
Uma vez mais calmo e tranquilo por saber que não é só você que está ficando maluco, fique com a mensagem democrata do professor Benilton:
“A solução é conversar, debater, estudar. Esta confusão não se dá em torno de programas, de projetos. É uma conflagração em torno de afetos e sentimentos. A pessoa precisa tentar sair do seu grupo, conversar com pessoas de fora da sua bolha com quem haja diálogo e tentar debater ideias, argumentos e dados sem medo de todas as contradições e dubiedades da qual a realidade está cheia. É preciso resistir à tentativa de simplificar tudo, abraçar a complexidade da situação.”
E usar a internet só para procurar gifs de cachorros fazendo coisas engraçadas até 2022.
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E você? Como tem se sentido nesta eleição? Estou aqui para ouvir a sua história. Meu email é marcelinho@gmail.com