Como é bom ser deprimido!

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Marcelo Zorzanelli

Ultimamente, tenho vivido uma situação delicada. Faz mais ou menos uns 35 anos. Tenho até um documento para me lembrar de como tudo começou. No cabeçalho está lá: “Certidão de Nascimento de Marcelo etc”.

Tenho a maior simpatia pelo adolescente que grita “eu não pedi para nascer”. Não só porque o adolescente finalmente levanta a cabeça do celular para poder dizer isso, o que é ótimo, mas porque é uma afirmação filosófica cuja validade é incontestável.

Quem tem transtornos mentais como a depressão clínica, minha amiga e confidente de todo dia, aprende a lidar melhor com isso. Se você descontar o ódio contra si próprio, ser deprimido é uma vantagem competitiva. Ultimamente, tenho visto como empresas têm precisado mais e mais de alguém qualificado para o cargo de “gerente de VDM”. Na linguagem corporativa mais atual, está sigla quer dizer “Vai Dar Merda”. Como nossos escritórios são carentes desse profissional. A boa notícia é que a mão de obra está aí nos 10,5 milhões de brasileiros deprimidos (de acordo com dados da Organização Mundial de Saúde).

No cenário atual, ser desconfiado de tudo a ponto de ser disfuncional é bom demais.

Vou fazer uma analogia que talvez ajude o leitor mais cheio de neurotransmissores da felicidade como a serotonina a entender.

Todos os dias, sinto que sou a manifestação física da história do sujeito para quem a mãe diz “vai com Deus” antes de uma viagem de carro. Ele responde: “só se Ele for no porta-malas”. Aí o infeliz se envolve num acidente e tudo se quebra, carro, pneus, ossos, membranas, menos uma caixa de ovos que o profano carregava no porta-malas. Eu sou esse sujeito que, justo na vez dele de fazer a piada, irrita o Misericordioso a ponto de fazê-Lo ter um flashback de suas atitudes do Velho Testamento.

Peço perdão ao leitor que ainda está aqui pelo desvio anedótico e teológico. Quis uma analogia que explicasse a certeza do deprimido de que a punição será braba quando ele resolve ser o engraçadinho da turma.

Eu me pergunto: é tudo ilusão ou existe embasamento para este boato que minha mente vem espalhando por aí de que eu sou a pior pessoa do mundo?

Talvez uma coisa no meio do caminho. Vou aproveitar que você não parou de ler e vou mandar mais uma.

Ser deprimido e ansioso é bom demais. É como viajar para um país diferente sem sair de casa. Basta sair do quarto e ir na sala para viver um choque cultural completo. Você vê alguém da sua família todo otimista, fazendo planos e pensa: “Como é curiosa essa gente!”. Sai de casa, vai trabalhar num andar alto e vê outro no parapeito a apreciar o voo das aves sem pensar em pular e quer saber que língua fala essa criatura tão diferente.

Quero morar neste país exótico!, penso. Mas me lembro que ainda não estou preparado para a vida lá. É um povo que não entende as delicadezas da vida neste meu país subdesenvolvido. Aqui, eu ainda comemoro cada rito de iniciação na vida adulta. Como foi outro dia quando me dei pela falta de um tupperware dias depois de um almoço de família na minha casa. Foi uma alegria… Finalmente, fui incluído no grupo das pessoas que têm a superioridade moral para cobrar a devolução de um pote de comida levada de sua casa. Sempre estive no outro grupo. Quando me dei conta, fiquei emocionado e tive que me escorar no espaldar da porta, zonzo de tanto orgulho.

Tudo isto para voltar ao ponto inicial: neste mundo em que a autoestima é afogada num mar de realidade injusta, procure um profissional. Converse com um deprimido.

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