Quando o antidepressivo faz muito mal

Marcelo Zorzanelli

Ninguém sabe direito como eles funcionam, mas eles funcionam. Não vou torturar o leitor com citações de estudos recentes, mas eles estão lá. Os antidepressivos modernos que são a segunda classe de medicamento mais vendida no Brasil devolvem pessoas ao mundo dos vivos, e posso atestar com a minha experiência própria.

Os estabilizadores de humor que atuam sobre pacientes que reclamam de tristeza, desânimo, incapacidade de sentir prazer em atividades antes muito reconfortantes estão no sangue de pelo menos uma dezena de milhões de brasileiros. Você já cruzou hoje com alguém carregado de antidepressivos.

No ônibus, no trabalho, na academia, na fila do supermercado, no trânsito engarrafado (aqui há mais do que na sala de espera do psiquiatra).

As substâncias são muitas, e a indústria farmacêutica lança novas versões tecnicamente mais eficientes todo ano. Uma coisa que o leitor talvez não saiba é como funciona o processo de testes. Li alguns dos protocolos usados nos laboratórios mais avançados.

Ratos de laboratório (criados só para isso) são expostos a situações de estresse continuo como ser pendurado pelo rabo ou repousar sobre uma superfície que libera choques. Os ratos lutam contra a tortura até desistir. É um processo cujo fim é saber quanto tempo um rato suporta ser torturado antes de entregar os pontos.

Os cientistas sabem se a substância pode se tornar um antidepressivo com potencial de mercado se ele faz o ratinho aguentar mais tempo que os outros que não tomam nada. Eu não tenho opinião sobre os testes em animais, mas tenho uma gratidão eterna pelos ratinhos que sofreram nos testes dos antidepressivos que já me ajudaram.

Isto posto, o antidepressivo é uma droga que aumenta a capacidade do cérebro de suportar sofrimento.

E quem tem tendência a se deprimir, quando encontra pela frente grandes e maravilhosos traumas paralisantes, vai precisar deles. Muita gente vai precisar para encarar até minúsculos e banais traumas como este texto que não acaba.

Mas a doença conhecida como depressão pode ser identificada melhor como o sintoma de dores muito profundas e antigas, que se reproduzem nos relacionamentos amorosos, familiares, no trabalho etc.

Estar vivo é uma brutalidade. Não preciso entrar em detalhes. Li em algum lugar que não me lembro que o deprimido é o que tem a visão perfeita, enquanto os saudáveis são míopes do tipo que seriam incapazes de diferenciar o filho de um saco de farinha. Não é por acaso que muitas depressões são automedicadas com drogas lícitas e ilícitas que embotam a percepção.

E é neste gancho de automedicação que penduro a tese desta crônica: o antidepressivo pode atrasar a vida como outras dependências químicas.

Conversando com amigos terapeutas, ouvi algumas histórias de pessoas que apareceram no consultório em meio a crises exemplares, com toda razão para explodir todos os relacionamentos.

Atolados na, data vênia, merda, iniciaram a terapia da fala, abriram os segredos e ansiedades na sala do psicólogo. Ao mesmo tempo, entraram em algum antidepressivo. A maioria larga o trabalho duro, revolucionário de vasculhar as próprias entranhas oferecido pela boa terapia assim que começa a se sentir melhor por causa do antidepressivo.

Estes meus amigos terapeutas que respeito muito repetem o mesmo relato: os pacientes desaparecem por alguns anos e voltam reclamando das mesmas dores. O mesmo marido abusivo, o mesmo chefe psicopata (embora seja outro), a mesma mãe narcisista, a mesma falta de autoestima no dia a dia, a mesma irritabilidade nas redes sociais em relação às opiniões dos outros, etc, etc.

Eu sei muito bem o que é isto, porque eu fui este paciente durante uma boa década. Custa dinheiro e envolve um esforço quase sobrenatural achar uma via terapêutica não medicamentosa para aprender a conviver com a confusão das nossas mentes. Mas não há alternativa.

Não há alternativa, repito com propriedade. Estas foram as cartas que nos foram dadas. Os medicamentos são maravilhosos, mas a mente não pode ser domada por nada. O remédio não pode faltar, claro. Eu me vejo tomando antidepressivo até o fim da vida. Mas ele não modifica os sentimentos que brotam da mente, não apaga memórias, não ensina a superar traumas, não faz alcançar a raiz do problema. Nem dá a você as substâncias que a boa alimentação, o exercício físico e o sono de qualidade darão. Se o remédio cria uma zona de conforto em que você consegue viver sem fazer essas outras coisas, ele já faz parte do problema.

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Meu e-mail é marcelinho@gmail.com e leio e respondo a todas as mensagens. É sempre muito bom saber o que quem passa por transtornos de humor pensa sobre o que escrevo e como faz para ter mais qualidade de vida.