Em defesa do direito de ser um idiota (às vezes)
A batalha pelas pequenas vitórias morais do dia a dia evoluiu muito rápido. Quando eu era criança, alguém olhava feio porque o papel do chiclete caiu no chão antes que você pudesse pensar em recolhê-lo para o lixo. Voltava-se para casa pensando que, por alguns segundos, aquela senhora de meia idade achou que você era um porco.
Hoje, a velocidade das interações nas redes sociais não dá a cortesia de segundos para que você se arrependa. Acho que há aí até um desses milagres metafísicos que permitem que a reprovação venha frações de segundo antes de você apertar o botão de enviar. E não tem jeito de consertar. O linchamento, assim como o seu choro, é livre.
A normalização do escracho, lacração, denúncia histriônica em massa, etc é um fenômeno novo e perigoso. Não para os alvos, porque na maioria das vezes eles merecem. Eu sou da opinião de que o mundo está uma merda e que quanto mais gente prestando atenção em atitudes opressoras, melhor. O que me preocupa é de onde vem, no acusador, a pulsão por acusar.
Ter certeza é, com o perdão da expressão, uma grande merda. A única certeza que eu tenho na vida é que eu tenho uma quantidade de defeitos difícil de administrar. Isso porque ainda não terminei de colocar em prática as medidas para sanar esses defeitos. Depois que terminar, terei ainda mais defeitos.
Eu gostaria de falar para as pessoas que fazem coisas maravilhosas com as próprias vidas como parar de comer carne, trocar o automóvel pela bicicleta, boicotar os produtos das multinacionais que exploram sua mão de obra, meditar todos os dias, resgatar pets em vez de comprá-los de canis, fazer sua própria cerveja, etc.
Por mais que você tenha acumulado milhas nesse grande projeto para ser uma pessoa melhor, eu dou minha pequena opinião: você não chegou lá. Suspeito que nunca chegará. Meu conselho seria que você criasse um espaço na própria rotina para exercitar sua imbecilidade. Seja mais idiota, mais babaca, mais estúpido e insensível!
Você nunca vai estar fora da zona de perigo de ser um idiota eventual. Não seja tao radical consigo próprio. Eu garanto que você é capaz de ser um imbecil dadas as corretas circunstancias. Todos nós podemos!
Se estiver sentido dificuldades em achar uma ocasião para ser preconceituoso, por exemplo, experimente ler muito sobre culturas que você ainda ignora. Você tem todo o potencial de ser babaca de novo um dia. O importante é não desistir. Um dia, numa festa, você vai fazer um comentário distraído que vai ofender profundamente alguém que você não conhece. Será uma experiência terapêutica poderosa. Você será tomado por um sentimento de orgulho e realização pessoal. Alguns diriam que é a humanidade voltando ao seu corpo.
Para terminar, já que estão chegando as eleições, experimente não tentar dissuadir o próximo de acreditar na ideologia política que ele proclama como se você fosse um pastor tentando tirar o capeta de alguém com um taco de beisebol.
Nem seja fiel às pessoas que dizem defender a sua ideologia política. Assim você está se privando do direito sagrado de ser decepcionado pelos políticos. Não faça isso com você mesmo.
Era isso que eu queria dizer. A certeza é a droga de entrada para outras mais pesadas como achar que você é um ser humano melhor do que quem deixa comentários com os quais discorda em redes sociais. Eu, por exemplo, já não estou mais muito certo se foi uma boa começar a crônica com este assunto e acho que as ideias já estão me faltando. Por isso, termino por aqui.