Marco Feliciano e o lucrativo negócio de demonizar a depressão
Um extraterrestre que chegasse à Terra e, por um desses acasos que só ocorrem em exercícios de imaginação como este, ligasse a TV brasileira de madrugada, acharia que temos a maior preocupação com a saúde mental entre todas as nações.
Ele veria horas e horas de homens de terno descrevendo em detalhes os sintomas de depressão, ansiedade generalizada, síndrome do pânico, transtorno obsessivo compulsivo, alcoolismo. No fim, o homem ofereceria um diagnóstico e uma cura.
“Irritabilidade, apatia, falta de apetite, isolamento, choro sem razão, perda de interesse em atividades que antes davam prazer?”, pergunta o pastor. “Temos a solução!”
Nosso ET, que não tem a imaginação nem o tino para negócios alguns dos nossos homens religiosos, não perceberia que estava assistindo a um golpe. Para os curandeiros da tela, todas as doenças citadas são obra de um demônio e apenas o tratamento prestado por seu estabelecimento poderá salvar a vítima.
Se o pastor fosse sincero, diria: ” É só passar na sessão de descarrego e deixar uma parte do seu salário que o demônio vai embora. Ele não suporta gente burra que dá dinheiro a charlatões!”
Este é um golpe dado diariamente em todo o Brasil, um desfalque tão insensível e criminoso como o estelionato ou a venda de remédios falsos.
Digo isso porque, ontem, o deputado federal, pastor e cantor Marco Feliciano fez uma enquete em sua página oficial no Facebook. “Para você, a Depressão é causada por uma doença natural ou por demônios? comente!”, perguntou alegremente.
Toda vez que a sociedade permite que este golpe seja dado, uma pessoa muito doente de depressão, que corre risco de vida, não vai apenas perder meses ou talvez anos de qualidade de vida em que poderia estar se tratando: vai perder o pouco dinheiro que tem.
Porque a única forma em que Deus entra nesta jogada é na inscrição “Deus seja louvado” nas notas de real. Tratar transtornos psíquicos complexos com safanões na cabeça em troca de no mínimo 10% do salário é um ótimo negócio.
Feliciano, reeleito em 2014 com 400 mil votos, já tentou emplacar a cura gay na Comissão de Direitos Humanos e Minorias que presidiu. Além de político de sucesso, é um grande empresário. As muitos sedes da denominação Catedral do Avivamento são “presididas por Marco Feliciano”, de acordo com o jornal Gospel Prime. Deve imaginar suas igrejas lotadas de deprimidos, homossexuais em crise de aceitação, negros…
Isso porque o deputado já chegou a escrever, casualmente, a respeito dos brasileiros de origem africana: “Sobre o continente africano repousa a maldição do paganismo, ocultismo, misérias, doenças oriundas de lá: ebola, Aids, fome… Etc”
Penso que se houvesse uma forma de dizer que seus cultos deixariam a pele do negro mais clara, Feliciano o faria. Pela força de Deus, vamos expulsar essa melanina desse corpo.
A religião pode ajudar e muito a uma pessoa passando pelos maus pedaços de uma depressão. A ciência prova que cultivar o lado espiritual é eficaz no tratamento de transtornos de humor, bem como de doenças físicas. Até porque não há nada melhor para fazer o ateu dizer “ai meu Deus” do que uma boa depressão.
O que não pode ser aceito é um deputado federal insinuar que a depressão, uma doença reconhecida pela Organização Mundial de Saúde há décadas, seja algo “do demônio”. Nem dele nem das igrejas que compram espaço nas TVs para espalhar desinformação que põe vidas em risco.
Nas madrugadas, já vi encenações toscas mostrando em que a tristeza profunda de uma pessoa era causada por um bolo enfeitiçado. De quebra, os pastores ofendem as religiões de matriz africana tocando música de umbanda na cena em que alguém faz o “trabalho” no bolo endemoniado.
Não tenho mais nada a dizer sobre as práticas e o caráter do deputado Feliciano. Na verdade, tenho só mais duas coisas.
Em 2009, vi Feliciano e uma grande comitiva no saguão do aeroporto Fiumicino, perto de Roma. Reparei que ele estava com problema para embarcar porque não tinha alguém para falar inglês com a moça do balcão. Fui lá e o ajudei a não perder o avião. Ele não me agradeceu pelo galho quebrado e foi embora. Muitos anos depois, ele processaria seu bom samaritano (no caso, eu) por uma piada que fiz no Sensacionalista a respeito de sua perseguição a homossexuais. Ele perdeu em primeira e segunda instância.
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