200 milhões de psicólogos para um único Neymar

Marcelo Zorzanelli

ATUALIZAÇÃO: Este texto foi escrito na sexta-feira, quando para a maioria o camisa 10 ainda era um pária que levaria a seleção não às quartas mas a um aeroporto brasileiro no dia de hoje (terça-feira, 3). 

A cada Copa do Mundo, alguém aparece caindo repetidas vezes para chamar a atenção.

No caso, este alguém é você, que cai na besteira de analisar um atleta de alto rendimento como se ele fosse uma criança no período operatório concreto (dos 7 aos 11 anos) e você fosse a reencarnação de Piaget .

Este tipo de comportamento deveria estar em queda. (Desculpa, não vou mais fazer trocadilho caído assim.)

Não me interessa o por que do choro largado no meio de campo após o gol contra a Costa Rica. O que me interessa é como, de repente, brotam 200 milhões de licenciaturas plenas em psicologia em todo o território nacional.

Se a saúde mental de Neymar se tornou um problema, o povo se esqueceu do que costumava ser realmente problema. Se Neymar é uma “bomba-relógio” como dizem, Adriano era o quê, meu pai? Edmundo? Garrincha? Se o cara quer preencher algum buraco existencial com tinta de cabelo em vez de cachaça, que bom, né?

Só uma pessoa vai dizer o que se passou na cabeça de Neymar naquele momento. Sim, acertou quem disse que esta pessoa é o assessor de imprensa do Neymar. Que só vai falar a versão oficial do que passou na cabeça dele depois de consultar os diretores de marketing da Nike, da Gillette, do Café Pilão e das baterias Heliar.

Se você quisesse saber o que realmente o camisa 10 estava pensando, teria que perguntar a ele. O que nem de perto é garantia de que você terá uma resposta racional e correta. Ou você sabe o que está sentindo e pensando toda vez que faz seu primeiro gol da Copa aos 50 minutos do segundo tempo depois de passar três meses parado por lesão? Eu nunca lembro direito das coisas quando passo por isso.

Parece que, de uma hora para outra, o brasileiro se aborreceu com a mera exibição dos maiores jogadores da Champions League durante seis horas por dia na TV aberta. De repente, bateu aquela vontade de escalar uma seleção com outro tipo de craques.

Do jeito que vamos, em breve será fácil entreouvir alguém no ônibus escalar sua seleção assim: Freud e Lacan no ataque, B.F. Skinner no meio-de-campo, Carl Jung na lateral esquerda, Pavlov na defesa e Piaget no gol.

Fico fascinado com o tempo que as pessoas gastam analisando o “psicológico” do Neymar. Parece até que vão receber um cheque de 300 reais ao fim do jogo pelos serviços prestados à saúde mental do craque. Neymar é milionário, mas não tem 60 bilhões de reais para pagar cada um dos 200 milhões de terapeutas.

No mais, quem deseja consertar o menino mimado, cheio de teatro, farrista, etc usando avançados conhecimentos em psicanálise de botequim, saiba que a Alemanha trouxe um time de psicólogos munidos de quilômetros de notas sobre as características de cada atleta. Estão todos juntos na Alemanha agora.

Futebol é futebol. (Podem me citar com esta frase genial se quiserem.)

Thiago Silva chorou de soluçar em 2014, não quis bater pênalti em jogo decisivo, fez uma gracinha boba, levou cartão e não jogou contra a Alemanha. O que aconteceu na última partida? Fez um golaço de cabeça no meio dos arranha-céus sérvios. E aí? Cadê o seu Lacan agora?

E terapia é coisa séria, demora, demora, e demora. Os profissionais procurados pela imprensa são unânimes em dizer que só um trabalho de longo prazo poderia interferir na disposição emocional dos jogadores num torneio tão curto. Ainda assim, não há garantia de nada.

E não nos esqueçamos do conceito de projeção descoberto por Freud lá atrás. Atribuimos aos outros defeitos que percebemos em nós mesmos. É um mecanismo de defesa do ego.

Talvez não seja do Neymar que estejamos falando quando dizemos que se trata de um talento desperdiçado por falta de foco, seriedade e ética de trabalho. Talvez estejamos falando de nós mesmos.

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