A vergonha e a culpa na mente dos deprimidos

Sentir vergonha da própria doença nunca tirou ninguém da depressão. Quer dizer, até tirou, mas aí tirou da vida também.

(Estou falando com não só com você, que vive com a depressão clínica, mas também quem tem ansiedade ou outros transtornos de humor).

Com a frequência, seu inconsciente manda você sentir culpa, vergonha e ressentimento por ser como é. Estou errado?

Porque o inconsciente está sempre aí, vendo e ouvindo tudo.

E as coisas que o insconciente vê e ouve dizem que ter um transtorno mental é uma vergonha. Que você deve se sentir culpado porque cada pessoa do planeta, até quem já morreu e foi cremado, está agora ao lado de uma lareira com o amor de sua vida, tem milhões no banco, um cachorro fotogênico que recebe mimos no Instagram.

Vergonha é assassinar, roubar, usar pochete. E não nascer com uns neurônios que vieram quebrados de fábrica.

“A vergonha é uma emoção que devora a alma”, escreveu o lendário psicólogo Gustav Jung. Segundo o bom velhinho suíço, com o tempo as mensagens de reprovação se confundem com a realidade da alma. Seu “eu” mais íntimo reconhece a si próprio como um inimigo a ser destruído. A vergonha é um parasita que não liga em matar a si próprio desde que elimine o hospedeiro também.

Jung disse que a vergonha em sua forma mais virulenta diz ao indivíduo que ele é tão “estragado” que não tem o direito de existir.

Esta dinâmica é cruel o bastante numa mente saudável. Num cérebro como o nosso, que parece ser administrado pelo governo Temer, é uma tortura engenhosa.

Porque a primeira defesa diante da vergonha é se esconder. E quem sofre com transtornos mentais, especialmente a depressão clínica, quando se esconde fica pior, e muito. Eu recebi dezenas de emails de leitores que lutaram muito antes de convencerem a si próprios a falar com os próprios pais. Com os próprios pais.

A doença já faz tudo para que você fique parado e isolado. “A depressão não gosta de alvos móveis”, li outro dia. Ela prefere chegar bem perto e atirar a queima roupa, sozinha com você num canto.

Mesmo depois de já estar em tratamento, a vergonha e a culpa resultam numa pressa de voltar logo ao “normal”. Isso atrapalha demais o tratamento.

Deixa eu te dar um spoiler: você não vai voltar ao normal. Porque não tem normal. Eu não hesitaria um segundo em dizer que você é mais saudável mentalmente que a sua tia preconceituosa que chama você de preguiçoso durante uma crise de depressão.

Existe o saudável, que é possível alcançar quando você toma conta de si próprio. Terapia, antidepressivos, exercício físico, alimentação saudável e… Eu colocaria um outro remédio aqui: humildade. Mas não aquela humildade de entrevista de jogador de futebol. Estou falando de aceitação diante da realidade da sua condição.

Repito: não existe normal. Não tem cronograma para melhorar. Nem a ciência sabe como os anti-depressivos funcionam. Algumas pessoas precisam passar por três, quatro medicamentos até atingir alguma melhora. Daqui a 100 anos, haverá placas nas praças homenageando esta geração de cobaias de remédios como herois. É uma loucura você só saber se o remédio serve para você depois de três semanas ou um mês. Imagina tomar um analgésico agora para melhorar um torcicolo que virá daqui a 30 dias.

Sob preconceito e sem ajuda da família e dos amigos, quem vai ter estrutura para passar pela fase de adaptação aos santos antidepressivos? Um deprimido é que não vai. Muita gente abandona o tratamento por causa do estigma.

Por fim, um recado para quem convive com deprimidos:

Tudo bem que você não tenha saco para ouvir seu colega, irmão, filho, falar que não está se sentindo bem da cabeça há um tempo. É mesmo chato! Acredite: nós sabemos como a vida é difícil!

A questão aqui é de saúde, e pode ser grave. Ninguém gosta de ter uma fratura exposta na perna e precisar de meses de fisioterapia. Mas não dá para ignorar quando alguém que você conhece chega com a canela partida ao meio, né? Não dá para pedir ao sujeito para dar uma andada para ver se passa. Você leva num especialista e tenta ajudar.

A depressão mata muito mais do que perna quebrada.

E não tem ninguém com vergonha ou culpa porque foi atropelado por um carro desgovernado e quebrou a perna.

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Como sempre, meu e-mail está aberto para ouvir histórias. Gostaria de ouvir de você que superou crises profundas e hoje está muito bem na parada. Estou compilando depoimentos anônimos para escrever posts com histórias que tenham similaridade. Meu e-mail é marcelinho@gmail.com