No Brasil, 5º mais deprimido do planeta, ninguém sofre de depressão
Na França, se você é diagnosticado com depressão o governo age imediatamente. Você ganha uma câmera de cinema, quilômetros de película preto e branco e dois atores para ficarem fumando e reclamando da vida por duas horas e meia de filme. No fim, você leva um troféu em Cannes. Tudo de graça.
No Brasil, você não pode nem mais compôr um samba triste. Sai fora, Nelson Cavaquinho, que não tiramos o sorriso do caminho para você passar com a sua dor. E você, Cartola, nem venha com essa de que reduzirão nossas ilusões a pó.
Somos um povo alegre, nossa cabeça é abençoada todos os meses do ano com o sol forte (que comprovadamente mata os pensamentos ruins). Aqui não tem tempo ruim, não, chefia!
Parando para pensar, somos vanguardistas. A sociedade brasileira já era boa em fingir que tudo está bem muito antes do Instagram e do Facebook.
Em algum momento perdemos a capacidade de teatralizar nossa tristeza. Paramos de chorar em público e perdemos nossa catarse tribal. Quando foi que deixamos de ouvir Vicente Celestino? Como explicar que uma das músicas mais ouvidas em 1951 era “Coração Materno”, sobre um rapaz que rasga (aparentemente com as mãos) o peito da própria mãe, e dele arranca seu coração para dar de presente à namorada?
O povo se lambuzava nessa tristeza farsesca e isso era bom. Pelo menos era mais honesto.
Falta se olhar no espelho. Somos um país onde viver é difícil demais. Ler o noticiário de um único dia no Brasil deve equivaler a sessenta anos no front de alguma guerra no Oriente Médio. Não posso comprovar este dado.
Já os que citarei em seguida, posso, sim: são da Organização Mundial de Saúde. A média global de pessoas com depressão é de 4,4%. Aqui, temos 5,8% da população sofrendo da doença, a maior potência em depressão na América Latina. No ranking da OMS, o Brasil é o quinto mais deprimido do mundo. A Síria está em 58º. Estamos à frente de todos países em guerra, menos a Ucrânia. Ziriguidum!
Temos também a maior prevalência de ansiedade no planeta: 9,3%. Rivotril é o segundo remédio mais vendido do país. Aqui, os antidepressivos só saem menos que os analgésicos. Tudo indica que ser brasileiro é sinônimo dor, no corpo e na alma.
Espero tentar, com leveza, usar este espaço para atacar o preconceito e enriquecer o diálogo. Vamos falar do estigma profissional (tem gente que falta e diz que pegou uma disenteria para não dizer que está tendo crise), do movimento antimanicomial, de como a saúde pública quase ignora o pobre doente (que, segundo um estudo inglês, têm o dobro de chance de desenvolver quadros depressivos), de remédios que brocham e de ficar o dia inteiro na cama vendo porcaria no YouTube.
Imagine a marcha dos deprimidos: ninguém iria pelo medo do que o outro vai achar. Esta é a intenção deste espaço: falar e, antes de mais nada, dar voz.
Espero receber e-mails contando histórias, como está sendo o tratamento, o que você faz para se sentir melhor, quais caminhos foram mais importantes para você na hora de sair do buraco. Quero histórias, não importa de que tipo, que possam inspirar.
Meu e-mail é marcelinho@gmail.com. (Sim, é só “marcelinho” mesmo. Eu fiz o e-mail em 2004).